"Dupla delícia. O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado." Mário Quintana
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
''Canta que é no canto que eu vou chegar''
Num reino não muito distante vivia um violeiro. E, como todo violeiro que se preze, precisava de uma BOA viola para acompanhá-lo. Pois em todo canto que ia, as pessoas se aglomeravam para ouvi-lo cantar e contar a vida com a ponta dos dedos. Falava melodias, recitava notas, brigava dissonante, se entristecia silenciando.
Mas ele não tinha uma viola. Sempre alguém o emprestava por alguns instantes de prazer, de musicalidade.
Em uma pequena vila que ele passou, viu um outdoor anunciando uma boa viola. Logo se interessou. Era bonita, mas precisava tocar para ouvir o som.
Dias se passaram até que ele procurou encontrá-la. Mas a viola já se encontrava em outra cidade. Não, não tinha sido comprada por ninguém. Apenas mudado de loja. Foi para uma filial.
Mais uns dias se passaram e ele, finalmente, foi até a loja. Testou a viola, gostou do som, da forma, de como encaixava, ...Leu um pouco do manual (é, ela vinha com um manual 'de cuidados') e foi embora.
O Dono da loja presenciou o encontro e ficou boquiaberto, nunca tinha visto um som tão limpo e belo sair da viola! E nunca tinha visto um violeiro tão pronto para adquiri-la.
Como todo conto que se preze tem que ter imaginação... A viola sempre conversava com o Dono da loja. Toda noite, sem exceção. Mas naquele dia ela não precisou falar. O silêncio que produzia era mais tocante que qualquer história que contasse. Mas era um silêncio por não saber o que dizer, por não ter do que se queixar.
Era uma viola muito sensível e não gostava, nem permitia que qualquer um a tocasse. Sempre observava antes para ver o coração. Mas dessa vez o violeiro já foi chegando como se soubesse do segredo e não deu tempo dela observar o coração. Apenas o sentiu. (Apenas?) "É ele! Ele sabe tocar cada corda e ..."_ela comentou com o dono alguns dias depois. Essa foi sua única fala na semana.
O violeiro prosseguia viajante e viajando. Mas vez ou outra passava na loja para namorar a viola. O Dono pensava e tentava entender porque ele não comprava já que havia gostado. Mas não conseguia chegar a conclusão alguma! A viola, coitada, já não sabia o que pensar ou achar. Estava mais perdida que tudo!
Ele era o violeiro que ela precisava. Ela, a viola que ele precisava. Um completava o outro quase que perfeitamente. Quase. O preço era um pouco caro, embora valesse à pena. Mas ele não estava disposto a pagar. O que faria quando chegasse numa vila qualquer e um passante oferecesse sua viola pra ele tocar??? Como ele negaria, faria desfeita?! O violeiro queria abraçar o mundo e o carregar nas costas. Como iria carregar a viola também?
Um dia, quando chegou na loja, o dono lhe chamou. "Meu caro, você vem aqui há algum tempo, toca minha viola preferida e vai embora. Ela já está se apegando a você. Quando você não vem ela sente sua falta. Ela não é uma simples viola. Ela sente.[...]O que vou dizer a ela agora que chegou? E se você for embora e deixá-la aqui? O que vou dizer e fazer? Terei que afiná-la, é isso?!! ".
O jovem violeiro foi pego de surpresa! Mas tentou responder. Tentou, porque nem ele mesmo tinha as respostas. "O senhor me desculpe se o incomodo com minha música, é que...É que...eu também me afeiçoei a ela. É uma viola muito boa, ela se acomoda bem nos meus braços, o encaixe é... Olha, o som que ela tem me inspira muito! Até compus uma música nova! Mas..."_ respondeu o jovem. Diante de tantas palavras bonitas e que pareciam sinceras, o dono já estava certo de que o violeiro a levaria.
-Mas o que, meu jovem?
-Mas o preço é alto. Não sei se consigo pagar!
-Não vou lhe cobrar muito, peço apenas que cuide dela. Pois nunca a vi tão feliz! Se eu deixá-la aqui na loja pode vir alguém que pague o preço real dela, mas isso não garante que minha viola irá para mãos de um bom violeiro! Isso não garante que ela ficará contente.
- Eu temo não poder cuidar dela como devo. Não seria justo eu pega-la e deixa-la como objeto de decoração.
-Mas por que você faria isso, se você tem vindo com frequência tocá-la???
-Talvez o medo de estragá-la...ficaria com medo que ela sofresse com a boemia de um violeiro. [...]E também, eu tenho outros afazeres...
-Meu jovem, quanto aos seus outros afazeres, a única coisa que peço é que quando for tocar ou cantar leve-a com você. Nos outros afazeres ela não iria atrapalhá-lo. Ela também tem outros afazeres. Ela não é apenas uma viola, ela trabalha pra mim.Olha só meu caro, a viola só tem utilidade nas mãos de um bom violeiro. Se você a levar não vai estragar. Muito pelo contrário, fará dela a melhor viola do mundo!Lembre-se disso![...]Pense bem.
Este foi o último dia que a viola viu o Violeiro e o violeiro a viu. Não se tocaram.
Um tempo já se passou. As cordas já estão meio bambas...o Dono da loja teme que terá que afina-la e guarda-la no estoque, pois a viola se recusa a sair da caixa.
Sobre o violeiro não se sabe ao certo. Vez ou outra ouve-se histórias.
O Dono da loja ainda aguarda resposta.
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