terça-feira, 13 de abril de 2010

Artista da vida.



Lucy morava numa casa de construção antiga, paredes altas e firmes. Cômodos grandes. Móveis de antiquário. Até as chaves da casa eram daquelas grandes, pesadas.
Tinha um jardim incrivelmente bem cuidado. Flores espalhadas, dando cor e vida.
Era uma artista que abriu mão de viver o amor para escrever sobre ele e interpretá-lo. Parecia uma idéia melhor, menos doída.
Vivia da arte e fazia da vida uma arte! O que, aliás, não é fácil. Mas a vida lhe sorria todos os dias e ela se abria cada vez mais.
Este era seu maior dom, o de amar. Talvez por isso tanta gente retribuía. Por isso sua arte era tão apreciada e valorizada, fazendo com que ela fosse uma das poucas que se tornara rica fazendo coisas desse tipo.

Na rua, conversava com todos. Distribuía sorrisos e carícias.
Mas em casa ela só recebia os mais próximos ou os que ela desejava que se tornassem próximos.

Estava ela sentada na beira do espelho d'água, movendo a água com a ponta dos dedos e distorcendo o reflexo. Ela gostava daquele resultado mal delimitado de suas feições, pois era exatamente assim que se sentia. Sem formas certas.
Mas naquele dia o reflexo mudou demais. Havia mais alguém ali.
Apesar de assustada por ter alguém na sua casa, ao seu lado sem ao menos ser avisada ('Seu' Lineu sempre a avisava quando alguém chegava), ela o olhou e sorriu apenas com os lábios, cumprimentando-o.
Ele abriu um sorriso como quem abre portas. Mas ela não entrou. Não naquele dia.
Não conversaram muita coisa, falaram apenas do que se via ali (o jardim).
Cinco minutos de conversa.
Ela se levantou e ele se foi.

Depois de uma semana, lá estava ele à espera dela (no jardim dela! E mais uma vez sem avisar).
Ela riu da situação 'abusada' que ele criara. E não sei porquê ela não achou ruim, pelo contrário, chamou seu Lineu e o avisou que aquele jovem estaria autorizado a entrar NO JARDIM sempre que quisesse.
O jovem tinha desejo por conhecer e saber mais da vida da artista. E ela falava com uma naturalidade, como a quem fala com um amigo.
Ele era cheio de perguntas diretas e cheio de observações sobre as respostas dela.
Observações interessantes, e na maioria das vezes, precisas.
Ela, sem ver, foi entregando pedaço por pedaço de si. Cada verdade que falava, cada medo que revelava, cada vontade que contava.
Os dias foram passando e o encontro no jardim, que antes era ocasional, passou a ser habitual.
Ela estava curiosa pra saber dele também. Parecia um rapaz diferente. Parecia.
Ele era um jovem espirituoso e com uma presença que enchia o jardim e depois de uns dias ...os pensamentos dela.
Ele...seu nome era Thomas.
Ele tinha resposta pra boa parte das perguntas. Mas ele tinha mais perguntas que respostas. Era um jovem encantador, único (mas que se achava único demais! Conclusão que ela chegou depois ...bem depois).
Ambos se divertiam com a companhia um do outro.
Certa vez, ele se mostrou à ela. Era um dia quente (eu acho.) Se não era passou a ser.
Lucy era tímida mas olhou. Desviou o olhar. Olhou de novo.
Sua respiração ficou ofegante. Ela tentava disfarçar o nervosismo. Afinal, era tudo novo pra ela!
Lucy era muito especial, pelo menos sempre foi a forma com que a trataram, como alguém especial. Não mais uma!
Por ele visitá-la sempre, ela acreditou que ele também a tratava de forma especial.
Mas eles nunca se encontravam fora do jardim, em lugares públicos. Ela só conhecia o que ele apresentava pra ela.

Mais uma semana passou e a intimidade deles foi aumentando. Até que numa noite, quando ela se arrumava para dormir, ela percebeu que alguém a observava.
Olhou ao redor e não achou ninguém. Talvez fossem apenas seus pensamentos que não suportavam ficar engaiolados.
Ainda em pé, em frente a cama, sentiu uma respiração quente em sua nuca.
Não deu muito tempo para pensar. Ele a pegou pela cintura e a virou.
Foi o primeiro beijo e a primeira noite de amor entre eles. Noite que virou dia, que virou noite, que virou dia de novo, e tarde...E assim foi por bons dias.
Ele voltou pra sua casa.
E as visitas que eram habituais, voltaram a ser ocasionais.

Um dia ele não apareceu.
Lucy o esperou no dia seguinte. E no seguinte...
Nem um telefonema. Nem uma carta. Nem um 'adeus'.

Lucy nunca mais se acostumou com a ausência dele.
Na verdade, acho que ela não se conformou com a mentira. Com a mentira que ele foi.

Diziam na cidade que Thomas, o jovem encantador, estava vivendo a mesma história com outra pessoa.
Ele fazia as mesmas coisas, apareceu aos poucos, se mostrou, olhou...Usava até os mesmos termos carinhosos para chamar a outra da fila. Os mesmos apelidos!

Lucy não acreditava que ela, uma artista que lida com emoções, havia sido enganada tão facilmente. Chorou por vários dias. Lamentou cada pedaço que ela ofereceu à ele, achando que Thomas a tratava de forma especial (ele tratava todas assim)
Tentou perdoá-lo e tê-lo como amigo. Mas acho que agora quem estava mal na história era ele. Ela já o conhecia. E apesar de ela o aceitar assim mesmo...ele não apareceu mais.

Lucy virou artista da vida, transformando borrão em Sol, lágrimas em pássaros e pessoas em poesias e histórias.

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